WILFREDO
O CASTELO
Por Olavo Bilac
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O CASTELO
Sobre o rochedo, longe, o castelo aparece,
Dominando a extensão das florestas sombrias.
A tarde cai. O vento abranda. O ar escurece.
E Wilfredo caminha entre as neblinas frias.
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Vai vê-la... E estuga o passo. Alto e silencioso,
Abre o castelo, em fogo, os vitrais das janelas.
Nas ameias, manchando o céu caliginoso,
Aprumam-se perfis de imóveis sentinelas.
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Wilfredo vai ouvir a voz da sua Dama...
Mas, no coração perturbado, parece
Que vive, em vez de amor, essa ligeira chama,
Que arde apenas um dia, arde e desaparece...
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E arruinado solar, refletido mo Reno,
Sobre o qual paira e pesa um sonho sobre-humano,
Sobe, entre os astros, só, furando o céu sereno,
Com a calma e o esplendor de um velho soberano.
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AS FADAS DA LAGOA
Por Olavo Bilac
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Wilfredo conheceu o amor nos braços d'Ela...
Teve-a nua, a tremer, nos braços, nua e fria!
Teve-a nos braços, louca, apaixonada e bela!
Mas parte, alucinado, antes que aponte o dia...
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É que uma outra paixão o descuidado peito
Lhe entrou. Paixão cruel, loucura que o atordoa,
Desde o momento em que, formosas, sobre o leito
Das águas calmas, viu as fadas da lagoa.
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Parte... À margem fatal da lagoa das fadas
Chega, e em êxtase fica, a riba em flor mirando.
Um ligeiro rumor de vozes abafadas
Aumenta... E exsurge da água o apaixonado bando.
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Corre Wilfredo, em febre, a apetra-las ao seio,
E despreza o passado e esquece o juramento;
Beija-as, e, na expansão do carinhoso anseio.
Imola toda a vida aos beijos de um momento.
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Para os seus corpos ter, toda a alma lhes entrega;
E, na alucinação do gozo em que se inflama,
Por esse amor, por essa embriaguez renega
O deus dos seus avós, o amor da sua Dama...
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O REMORSO
Por Olavo Bilac
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Delira. Mas, depois do delírio sublime
O remorso, imortal, nasce com o arrebol.
E ele mede a extensão do seu monstruoso crime,
E esconde a face à luz vingadora do sol.
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Busca assustado a paz, busca chorando o olvido...
À volúpia infernal o coração vendeu,
E o inferno lhe reclama o coração vendido,
Cobrando em sangue e pranto o gozo que lhe deu.
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Quer rezar, quer voltar ao seu fervor primeiro,
Quer nas lages, de rojo, abominando o mal,
Ser de novo cristão, fiel cavaleiro;
Mas não encontra a paz na paz da catedral.
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Pobre! até o palor das faces maceradas
Das monjas, cuida ver as faces que beijou;
Ah! seios de marfim! ah! bocas perfumadas!
Recordação cruel de um Éden que acabou!
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Parte só, sem destino, errando, a passo incerto,
Por montes e rechans, no inverno e no verão,
E por anos sem conta habitando o deserto,
Sem lágrimas no olhar, sem fé no coração.
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Das florestas sem fim sobre à abóboda escura
Ouve, nos alcantis de em torno, a água rolar;
Sobre ele, a longa voz das árvores murmura,
E o vendaval retorce os ramos negros no ar.
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Mas à fera, ao inseto, ao limo, ao vento,
Ao sol, ao rio, ao vale, à rocha, à serpe, à flor
É em vão que Wilfredo implora o esquecimento
Do seu amor cruel, do seu horrendo amor...
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O CASTIGO
Por Olavo Bilac
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Vota... Nem luta já contra o crime que o atrai...
Velho e trôpego vem, mendigo esfarrapado,
E examine, por fim, num calafrio, cai
Sem consciência, ao pé das águas do pecado.
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Calma. A noite caiu. Nem um pássaro voa.
Não piam no silêncio as aves agoureiras.
Mas palpitam, luzindo, à beira da lagoa,
Fogos fátuos subtis sobre as ervas rasteiras.
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E, então, Wilfredo vê, preza de um medo atroz,
Do denso turbilhão dos fogos repentinos,
Com tentações no olhar e convites na voz
Surgirem turbilhões de corpos femininos.
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E o inferno pela voz dos fátuos fala!
Wilfredo foge. O horror vai com ele, inclemente!
Foge. E corre, e vacila, e tropeça, e resvala,
E levanta-se, e foge alucinadamente...
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Em vão! pesa sobre ele um destino fatal;
E o louco, em todo o horror dos campos tenebrosos,
Vê fechar-se e prendê-lo a cadeia infernal
Da infernal multidão dos Elfos amorosos...
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BREVE BIOGRAFIA
Olavo Bilac, poeta e jornalista brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira de Letras. Autor de Poesias, Crônicas e Novelas, e grande número de composições poéticas e artigos dispersos nas folhas periódicas. Os seus versos são de esmerado lavor de forma.
Nicéas Romeo Zanchett
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