Total de visualizações de página

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

PRELÚDIO - Por José Zorrilla


PRELÚDIO 
 Por José Zorrilla
.
O que é feito das auroras deliciosas
Que cheias de perfume se perdiam
Entre os lírios vestes e as frescas rosas
Que o norte ameno em derredor cingiam? 
As brisas de outono revoltosas 
Em rápido tropel as impeliam, 
E a estação afogaram dos amores
Por entre as folhas das mirradas flores. 
.
Hoje ao lume de um tronco nos sentamos
Em torno ao lar antigo que clareia, 
E acaso a larga sombra recordamos 
Da lenha ao nossos pés de fumo cheia, 
E hora após hora tristes esperamos
Que se vá a estação adusta e feia, 
Em febril indolência adormecidos
E nas próprias memórias embebidos. 
.
É em vão que aos prazeres avarentos
Nos lançamos; e orgias vãs, sonoras, 
Estremecem os ricos aposentos, 
E fantásticas danças tentadoras; 
Porque antes e depois caminham lentos
Os torvos dias e as morosas horas
Sem que alguma ilusão um breve instante 
O sono da alma fugidia encante. 
.
Mas eu, que hei passado entre ilusões,
Sonhos de luz e ouro, a doce vida, 
Não deixarei que durmam nos salões 
Onde ao prazer a solidão convida; 
Nem que esperem do lar ente os clarões
O amigo morto já e a amante infida, 
Sem que mais esperança os alimente
Do que ir contando as horas tristemente. 
.
Vós que viveis de alcáçares senhores, 
Vinde, que afagarei vossa moleza; 
Lindas donzelas que morreis de amores, 
Vinde, que encantarei vossa beleza; 
Velhos, que idolatrais vossos maiores, 
Vinde, que contarei vossa grandeza; 
Vinde ouvir em suaves harmonias
Os aprazíeis contos de outros dias. 
.
Eu sou o trovador que vaga errante. 
Se são do vosso parque estes canteiros, 
Não me deixes passar, mandai que cante, 
Que sei cantar de bravos cavaleiros
A dama ingrata e a cativa amante, 
O encontro, os combates altaneiros
Com que levam a fim suas empresas
Por formosas escravas e princesas.
.
Vinde a mim; esse sou que canta amores
O trovador que canta nos fetins; 
A harpa cinjo de vistosas flores, 
Grinalda que colhi em mil jardins; 
Eu a tulipa tenho de mil cores
Que de Stambul adoram nos confins, 
E o lírio azul incógnito e campestre
Que nasce e morre em solidão silvestre. 
.
Vem, vem a minhas mãos, harpa sonora!
Desce a meu ser, inspiração cristã, 
E acende em mim a chama criadora
Que do halito dos anjos é irmã!
Longe de mim a história tentadora
De alheia terra e religião pagã!
A fantasia minha e a memória
Da minha pátria só cantam a glória.
.
Vinde, não calcarei em meus cantares
Do povo meu a fé e a consciência, 
Respeitar-lhe-ei a lei e os altares; 
Na magoa sua como na opulência 
Celebrai-lhe-ei a força e os azares, 
E, ministro fiel da gaia ciência, 
Levantarei a voz consoladora
Sobre as ruínas em que a Espanha chora. 
.
Terra de amor, tesouro de memorias, 
Grande, opulenta e vencedora um dia, 
Semeada de lembranças e de histórias, 
Calcada assaz pela fortuna impia!
Cantarei tuas olvidadas glórias, 
Que nas asas da ardente poesia
Não aspiro a mais louro, ou mais façanha, 
Do que a um sorriso só da minha Espanha. 
.
BREVE BIOGRAFIA 
José Zorrilla, o primeiro poeta espanhol do século XIX, nasceu em Valadolid a 21 de Fevereiro de 1817 e faleceu em Madrid a 22 de Janeiro de 1893. Dedicou-se à literatura, começando pelo jornalismo. Em 1841 apareceram os seus Cantos del Trovador, seguindo-se vários outros livros, escritos durante as suas estadas em Paris e Bruxelas, e outros enquanto esteve no México, de 1855 a 1866, sendo em 1885 eleito sócio da Academia Espanhola. Em 1887 foi-lhe concedida uma pensão do estado. Deixou, além da obra citada, os poemas: Granada, Legenda de Al-Hamar; El álbum de un loco; Margarita la Tornera; La Rosa de Alejandria, etc; e as peças de teatro: D. Juan Tenório, El Zapatero y El Rey, etc.
Nicéas Romeo Zanchett 
.



Nenhum comentário:

Postar um comentário