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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

A ÚLTIMA ROSA DE VERÃO - Por Tomas Moore

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É a última rosa

Do verão, sozinha; 

Nenhuma outra resta

Formosa e vizinha, 

Nenhuma irmã sua

Ou botão de rosa

Responde aos suspiros

que exala, formosa.

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Não quero deixar-te

Sozinha a florir:

Tuas irmãs dormem, 

Vai também dormir.

Por isso eis que espalho 

Tuas folhas no chão, 

Onde as irmãs tuas

Já mortas estão. 

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Tão breve eu vá quando

Os que amo fugirem, 

E do anel do amor

As joias caírem. 

Caídos os que ama

No sonho profundo, 

Quem habitaria

Sozinho este mundo? 

1769

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

AS FLORES E OS PINHEIROS - por Machado de Assis

 





Vi os pinheiros no alto da montanha

Ouriçados e velhos; 

E ao sopé da montanha, abrindo as flores

Os cálices vermelhos. 

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Contemplando os pinheiros da montanha, 

As flores tresloucadas

Zombam deles enchendo o espaço em torno

De alegres gargalhadas.

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Quando o outono voltou, vi na montanha

Os meus pinheiros vivos,

Brancos de neve, e meneando ao vento

Os galhos pensativos. 

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Volvi ao sítio onde escutara

Os risos mofadores; 

Procurei-as em vão; tinham morrido

As zombeteiras flores. 

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Nicéas Romeo Zanchett 

LUZ ENTRE SOMBRAS - Por Machado de Assis

 


É noite medonha e escura, 

Muda como o passamento

Uma só no firmamento

Tremula estreita fulgura.

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Fala aos ecos da espessura

A chorosa harpa do vento,

E num canto sonolento

Entre as árvores murmura. 

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Noite que assombra memórias, 

Noite que os medos convida,

Erma, triste, merencoria.

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No entanto ... minh'alma olvida

Dor que transforma em glória,

Morte que se rompe em vida

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Nicéas Romeo Zanchett 

domingo, 9 de julho de 2023

O BEIJO - Por Edmunhom Rostand - Cyrano de Bergerac


  O BEIJO 

Do Cyrano de Bergerac

Um beijo, mas, fim, que grande coisa é essa? 

Jura que de mais perto é jurada, promessa

Mais clara, confissão que quer confirmação. 

Ponto róseo no i da palavra paixão, 

Segedo que se diz à boa em vez da orelha, 

Instante de infinito em sussurro de abelha,

Com resaibo de flor íntima comunhão,  

Modo de respirar um pouco e coração,

E de provar um pouco, a flor dos lábios, a alma.  

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Nicéas Romeo Zanchett 

A MORENINHA - Por Bruno Seabra

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Moreninha, dás-me um beijo?

- E o que me dá meu senhor?

- Este cravo...

- Ora, scravo! 

De que me serve uma flor? 

Há tantas flores no campos!

Hei de agora, meu senhor, 

Dar-lhe um beijo por um cravo?

É barato; guarde a flor.

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- Dá-me um beijo, moreninha, 

Dou- te- um corte de cambraia, - 

- Por um beijo tanto pano!

Compro de graça uma saia!

Olhe que perde na troca, 

Como eu perdera co'a flor; 

Tanto pano por um beijo...

Sai-lhe caro, meu senhor. 

-Anda cá... ouve um segredo...

- Ai, pois quer fiar-se em mim? 

Deus o livre; eu falo muito,

Toda a mulher é assim...

E um segredo... ora um segredo...

Pelos modos que lhe vejo

Quero meu beijo de graça,

Um segredo por um beijo! ?

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Quero dizer-te aos ouvidos

Que tués uma rainha...

Acha.pois? e o que tem isso? 

Quer ser rei, por vida minha?

- Quem dera que tu quisesses ...

Não duvide, que o farei; 

Meu senhor case com ela, 

A rainha o fará rei...

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Casar-me? ... ainda sou tão moço...

- Como é criança esta ovelha!

Pois eu para beijar crianças,

Adeusinho, já sou velha. 


Nicéas Romeo Zanchett

 

quarta-feira, 5 de julho de 2023

AS TRÊS FORMIGAS - Por Alberto de oliveira

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Movendo os pés cor de brasa

Foram as três com cautela, 

Subindo o muro da asa

De dona Estela.

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- Arriba! diz a primeira.

- Mais de vagar... diz com siso

Segunda. Diz a terceira:

Sei onde piso. 

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Noite fechada, propícia

Àideia, ao plano que se leva..

Nem de uma brisa a carícia!

Silêncio e  treva!

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De pronto um grilo de um canto:

_ Onde ides, minha amigas?

E um calafrio de espanto

Nas três formigas. 

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Ah!... Mas um rosto aparece

Em cima, numa janela...

- É ela? - O rosto parece

De dona Estela!

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Tri... tri... entre as asas geme

O grilo. E pernalta aranha 

Na trama de ouro em que treme

Quase o apanha. 

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E agora se atemorizam 

As três. E tudo embaraços!

E o cal somente que pisam

Lhes ouve os passos. 

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E uma após outra se encaram

Tremendo: ora hesitam, ora 

Conversam baixinho, param 

Por mais de uma hora. 

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Logo como se fracassa

O muro a um trovão que as gela...

Descera brusca a vidraça

Da dona Elisa.

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- Melhor é voltarmos, logo

Uma aconselha em segredo; 

Outra abre os olhos de fogo, 

E é toda medo. 

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Terceira chora, encolhida: 

- Tão alto! já estou cansada!

Meu Deus, nossa pobre vida

Não vale nada.

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Mas sobem, que é necessário

Subir. Jesus, o benquisto,

Subiu também seu calvário, 

E Elle era o Cristo.

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Janela, enfim! num alento

Exclama a que mais anseia 

Primeiro ser no aposento

De dona Estela. 

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-Por esta fresta... - Por esta...

- Melhor... - Entremos. - Avante!

E uma olha, analisa a fresta,

E rompe adiante.

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Seguem-na as duas. Estreito

É o trilho. Vão. Tal  num berro 

Vai por um tunel direto

Um trem de ferro. 

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Ei-las estão da outra banda,

Na alcova. E olham em roda, 

À luz da lâmpada, branda,

A alcova toda.

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E vêm, por entre os adornos

De um leito elegante, a bela

Fronte o perfil, os contorno

De dona Estela. 

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Azul celeste a parede

Sobre o papel que a  reveste...

E é toda a câmara, vêde:

Azul celeste!

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Tenda de neve - a cortina; 

Dois bustos, um ramalhete 

Além, descansa botina

Sobre o tapete. 

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Num quadro de luzidio

Ebano, um vulto guerreiro: 

Perfil severo e sombrio

De cavalheiro

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De Espanha; olhar atrevido, 

Espada a cinta, e a escarcela...

- É com certeza o marido

De dona Estela.

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E o espelho... como cintila!

Parece de um lago a nua

Face que leve se anila

Com a luz da lua. 

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No toucador como esparsa 

Há tanta coisa! um diadena, 

Alva penugem de garça...

Todo um poema!

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 E um vaso com a ais festiva

Das rosas! - Meus Deus, acaso

Há rosa também que viva

Dentro de um vaso?!

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 E à flor o assalto preparam

As três formigas... Ai! dela, 

A flor que os lábios beijaram

De dona Estela!

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Descem o muro. Profundo 

Silêncio. Tudo parece 

A miniatura de um mundo

Que se amortece. 

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Soem aos moveis. No teto

Nem sombra de asa perdida

Do mais pequenino inseto...

Tudo sem vida!

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Chegam à rosa. Que altivo

Seio encarnado! Que encanto

Nesse  encarnado lascivo 

Que tem no manto!

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E se adianta animosa,

Mais esta após. mais aquela...

Ai! rosa, querida rosa

De dona Estela!

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Correm-lhe as pétalas. Uma 

Desce-lhe ao pólen que toma;

Da boca aos pés se perfuma

Com seu aroma. 

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Enchem-se de ouro, que é de ouro

Su'álma. Sedas desatam 

Que prendam. Vida, tesouro, 

Tudo arrebatam. 

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E da assombrosa riqueza

Vendo-se ao fim carregadas

E mais do que da árdua empresa

Recompensadas,  

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Lá vão a fugir, com o geito

Do que em roubar se desvela...

Mas nisto estremece o leito 

De dona Estela. 

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É dia. A a dona da alcova

já está de pé: e, ansiosa,

Porque mau sonho renova, 

Vai ver a rosa. 

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Toma-a do vaso às mãozinhas;

Mas , ao beija-la, a senhora

Descobre as três formiguinhas,  

E. Sopra-as fora. 

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-Ah! que tufão repentino! 

As três, no ar, na ansiedade

Da queda, exclamam sem tino...

- Que tempestade!

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 Longe, bem longe, erradias, 

Caíram. Nem se mexeram

De  espanto quase dois dias...

Depois morreram.

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Eis das forigas o caso. 

A rosa...fale por ela

Outra que é nova no vaso

De dona Estela. 

Nicéas Romeo Zanchett 











 


 

segunda-feira, 3 de julho de 2023

LODO DE ESTRELAS - Por Raimundo Corrêa.

 


Neste Cáspio sem marulhos, 

Sem macaréus, quieto, quieto,

Em vão brota o lodo infecto

Só venenosos tortulhos;  

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E despovoa os casebres

Vizinhos, lançando aos ventos

Os miasmas pestilentos

Do carbúnculo e das febres; 

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Em vão sobre ele bafefa

A peste, e , na superfície, 

Boa a nata da imudice

E zumbe a mosca-vreja;

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Ferve o enxame dos imundos

Vibriões, filhos da lama,

- Deliciosíssima cama

Dos farroupas nauseabundos - 

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Pelas margens e por cima

Torpes batráquios, coaxando, 

Sobre o charco pulam, quando

Acaso algum se aproxima...

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Em vão; que Deus n]ao esquece

As coisas mais vis; portanto,  

Sobre esse pútrido manto

Batendo, o sol resplandece. 

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Nele os olhos azuis cravam 

As estrela vacilantes, 

que em águas tais repugnantes, 

Sem repugnâncias se lavam; 

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E também nele se banha,

Em horas mortas, a lua, 

Como a Willis toda nua

Das legendas da Alemanha.

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Nem sempre ele espelha a peste, 

Que às vezes nele os fulgores

Dos íris e as sete cores 

Se estampam do arco celeste. 

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Deus verte a flama siderea

Na escura e tabida vasa,

É a estranha infecunda brasa

Da podridão deletéria! 

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Dá-lhe a luz, sem convertê-la

Na luz: pois jamais de todo

Deixa o lodo de ser lodo. 

E a estrela de ser estrela!

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Mas basta a luz nele acesa, 

Pra que o barro vil reflita

Daquela flama infinita

Toda a infinita grandeza.