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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

SONETOS - Por Bocage


SONETOS 
Por Bocage 
A EXISTÊNCIA DE DEUS, 
PROVADA PELAS OBRAS DA CRIAÇÃO 

Os milhões de áureos lustres coruscantes 
Que estão d'azul abobada pendendo;
O sol, e a que ilumina o trono horrendo
Dessa, que anima os ávidos amantes;
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As vastíssimas ondas arrogantes, 
Serras de espuma contra os céus erguendo, 
A leda fonte humilde o chão lambendo, 
Lourejando as searas flutuantes; 
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O vil mosquito, a próvida formiga, 
A rama chocalheira, o trono mudo,
Tudo que há Deus a confessar me obriga; 
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E para crer num braço, autor de tudo,
Que recompensa os bons, que os maus castiga, 
Não só da fé, mas da razão me ajudo. 
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ALUDINDO À PROFECIA DE ISAÍAS 
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Queimando o véu dos séculos futuros
O vate, aceso em divinais luzeiros, 
Assim cantou (e aos ecos pregoeiros
Exultaram, Sion, teus sacros muros); 
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O justo descerá dos astros puros
Em deleitosos, cândidos chuveiros, 
As feras dormirão com os cordeiros, 
Suarão doce mel carvalhos duros; 
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"A virgem será mãe; vós dareis flores, 
Brenhas intonsas, em remotos dias; 
Porás fim, torva guerra, a teus horrores."
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Não, não sonhou o altíssimo Isaías; 
Oh reis, ajoelhai, correi, pastores! 
Eis a prole do Eterno, eis o Messias!
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À PAIXÃO DE JESUS CRISTO 
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O filho do gran' rei, que a monarquia
Tem lá nos céus, e que de si procede, 
Hoje mudo e submisso à fúria cede. 
De um povo, que foi seu, que à morte o guia; 
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De trevas de pavor se veste o dia, 
Inchando o mar o seu limite excede, 
Convulsa a terra por mil bocas pede
Vingança de tão nova tirania; 
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Sacrilégio mortal, que espanto ordenas, 
Que ignoto horror, que lúgubre aparato!...
Tu julgas teu juiz !... Teu Deus condenas!
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Ah ! Castigai, Senhor, o mundo ingrato; 
Caiam-lhes as maldições, chovam-lhes as penas, 
Também eu morra, que também vos mato. 
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INVOCANDO O AMPARO DA VIRGEM SANTÍSSIMA
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Tu, por Deus entre todas escolhida, 
Vigem das virgens, tu, que do assanhado
Tartáreo monstro com teu pé sagrado
Esmagaste a cabeça entumecida; 
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Doce abrigo, santíssima guarida
De quem te busca em lágrimas banhado, 
Corrente com que as nódoas do pecado
Lava uma alma, que geme arrependida;
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Virgem, de estrelas nítidas coroada, 
Do Espírito, do Pai, do Filho eterno
Mãe, filha, esposa, e mais que tudo amada; 
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Valha-me o teu poder e amor materno;
Guia este cego, arranca-me da estrada, 
Que vai parar ao tenebroso inferno! 
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AFETOS DUM CORAÇÃO CONTRITO
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Ó rei dos reis, ó árbitro do mundo, 
Cuja mão sacro-santa os maus fulmina, 
E cuja voz terrifica e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo! 
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 Lava-me as nódoas do pecado imundo, 
Que as almas cega, as almas contamina; 
O rosto para mm piedoso inclina, 
Do eterno império teu, do céu rotundo; 
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Estende o braço, a lágrimas propício, 
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício;
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De mim próprio me livra, ó Deus supremo! 
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo. 
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DEPRECATÓRIO, EM OCASIÃO DE TEMPESTADE
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Filho, Espirito e Pai, três e um somente, 
Que extraíste do caos, do pó, do nada
O sol dourado, a lua prateada, 
O racional, e irracional vivente; 
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Eterno, justo, imenso onipotente, 
Que ocupas essa abóbada estrelada, 
Gran'Ser, de cuja força ilimitada
 A máquina do mundo está pendente; 
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Tu, que, se queres, furacão violento, 
Sumatra feia, tempestade escura
Desatas, e subjugas num momento;
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Criador, que remiste a criatura, 
Quebra o furor do túmido elemento, 
Que nos abre no inferno a sepultura! 
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CONFORMIDADE COLHIDA NA RELIGIÃO 
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 Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça, 
A desesperação me despedaça
No mesmo instante o frágil sofrimento;
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Mas súbito me diz o pensamento 
Para aplacar-me a dor, que me trespassa, 
Que este, que trouxe ao mundo a lei da graça, 
Teve num vil presépio o nascimento. 
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Vejo na palha o Redentor chorando, 
Ao lado a mãe, prostrados os pastores, 
A milagrosa estrela os reis guiando;
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Vejo-o morrer depois, oh pecadores, 
Por nós, e fecho os olhos adorando
Os castigos do céu como favores. 
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BREVE BIOGRAFIA 
Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta português, nasceu em Setúbal a 15 de setembro de 1765 e morreu a 21 de Dezembro de 1805. Cursou os estudos militares, e como guarda-marinha partiu para a índia, fazendo-se notar em Goa pela virulência dos seus versos. Destacado para Damão fugiu para a China, indo ter ao fim de muitos trabalhos a Macau, e regressando a Portugal em 1790. As lutas da Nova Arcádia, pela exclusão que lhe infligiram, puseram em relevo o gênio de Bocage. Ele e os seus companheiros frequentavam o botequim do Nicola em um retiro especial conhecido pelo nome de "Agulheiro de Sábios". Em 1797 foi preso por autoria de "Papéis ímpios e sediciosos". Entre esses papéis ímpios achados na residência de Bocage, os principais eram as poesias conhecidas pelos nomes  de "A voz da Razão e Pavorosa". Dotado de raras faculdades, esbanjou seu talento em improvisações. Acabou a vida traduzindo poemas didáticos franceses, de delille, Castel, Rosset, Lacroix.  Bocage exerceu considerável influência na metrificação portuguesa, tornando o verso mais harmonioso. Deixou Odes, elegias, idílios, canções, sátiras, epístolas, etc., Mas são sobretudo notáveis os seus sonetos. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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WILFREDO - Por Olavo Bilac


WILFREDO 
O CASTELO
Por Olavo Bilac 
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O CASTELO
Sobre o rochedo, longe, o castelo aparece, 
Dominando a extensão das florestas sombrias. 
A tarde cai. O vento abranda. O ar escurece. 
E Wilfredo caminha entre as neblinas frias. 
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Vai vê-la... E estuga o passo. Alto e silencioso, 
Abre o castelo, em fogo, os vitrais das janelas. 
Nas ameias, manchando o céu caliginoso, 
Aprumam-se perfis de imóveis sentinelas. 
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Wilfredo vai ouvir a voz da sua Dama...
Mas, no coração perturbado, parece
Que vive, em vez de amor, essa ligeira chama, 
Que arde apenas um dia, arde e desaparece...
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E arruinado solar, refletido mo Reno, 
Sobre o qual paira e pesa um sonho sobre-humano,
Sobe, entre os astros, só, furando o céu sereno, 
Com a calma e o esplendor de um velho soberano. 
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AS FADAS DA LAGOA 
Por Olavo Bilac 
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Wilfredo conheceu o amor nos braços d'Ela...
Teve-a nua, a tremer, nos braços, nua e fria! 
Teve-a nos braços, louca, apaixonada e bela! 
Mas parte, alucinado, antes que aponte o dia...
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É que uma outra paixão o descuidado peito 
Lhe entrou. Paixão cruel, loucura que o atordoa, 
Desde o momento em que, formosas, sobre o leito
Das águas calmas, viu as fadas da lagoa. 
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Parte... À margem fatal da lagoa das fadas
Chega, e em êxtase fica, a riba em flor mirando.
Um ligeiro rumor de vozes abafadas
Aumenta... E exsurge da água o apaixonado bando. 
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Corre Wilfredo, em febre, a apetra-las ao seio, 
E despreza o passado e esquece o juramento; 
Beija-as, e, na expansão do carinhoso anseio. 
Imola toda a vida aos beijos de um momento. 
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Para os seus corpos ter, toda a alma lhes entrega; 
E, na alucinação do gozo em que se inflama, 
Por esse amor, por essa embriaguez renega
O deus dos seus avós, o amor da sua Dama... 
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O REMORSO 
Por Olavo Bilac 
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Delira. Mas, depois do delírio sublime
O remorso, imortal, nasce com o arrebol. 
E ele mede a extensão do seu monstruoso crime, 
E esconde a face à luz vingadora do sol. 
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Busca assustado a paz, busca chorando o olvido...
À volúpia infernal o coração vendeu, 
E o inferno lhe reclama o coração vendido, 
Cobrando em sangue e pranto o gozo que lhe deu. 
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Quer rezar, quer voltar ao seu fervor primeiro, 
Quer nas lages, de rojo, abominando o mal, 
Ser de novo cristão, fiel cavaleiro; 
Mas não encontra a paz na paz da catedral. 
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 Pobre! até o palor das faces maceradas 
Das monjas, cuida ver as faces que beijou; 
Ah! seios de marfim! ah! bocas perfumadas!
Recordação cruel de um Éden que acabou! 
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Parte só, sem destino, errando, a passo incerto, 
Por montes e rechans, no inverno e no verão, 
E por anos sem conta habitando o deserto, 
Sem lágrimas no olhar, sem fé no coração. 
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Das florestas sem fim sobre à abóboda escura 
Ouve, nos alcantis de em torno, a água rolar; 
Sobre ele, a longa voz das árvores murmura, 
E o vendaval retorce os ramos negros no ar. 
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Mas à fera, ao inseto, ao limo, ao vento, 
Ao sol, ao rio, ao vale, à rocha, à serpe, à flor
É em vão que Wilfredo implora o esquecimento
Do seu amor cruel, do seu horrendo amor...
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O CASTIGO 
Por Olavo Bilac 
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Vota... Nem luta já contra o crime que o atrai...
Velho e trôpego vem, mendigo esfarrapado, 
E examine, por fim, num calafrio, cai 
Sem consciência, ao pé das águas do pecado. 
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Calma. A noite caiu. Nem um pássaro voa. 
Não piam no silêncio as aves agoureiras. 
Mas palpitam, luzindo, à beira da lagoa, 
Fogos fátuos subtis sobre as ervas rasteiras. 
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E, então, Wilfredo vê, preza de um medo atroz, 
Do denso turbilhão dos fogos repentinos, 
Com tentações no olhar e convites na voz
Surgirem turbilhões de corpos femininos. 
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E o inferno pela voz dos fátuos fala! 
Wilfredo foge. O horror vai com ele, inclemente! 
Foge. E corre, e vacila, e tropeça, e resvala, 
E levanta-se, e foge alucinadamente...
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Em vão! pesa sobre ele um destino fatal; 
E o louco, em todo o horror dos campos tenebrosos,
Vê fechar-se e prendê-lo  a cadeia infernal
Da infernal multidão dos Elfos amorosos...

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  BREVE BIOGRAFIA 
Olavo Bilac, poeta e jornalista brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira de Letras. Autor de Poesias, Crônicas e Novelas, e grande número de composições poéticas e artigos dispersos nas folhas periódicas. Os seus versos são de esmerado lavor de forma. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A ÚLTIMA ROSA DO VERÃO - Por Tomas Moore




A ÚLTIMA ROSA DO VERÃO 
Por Tomas Moore
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É a última rosa
Do verão, sozinha; 
Nenhuma outra resta
Formosa e vizinha, 
Nenhuma irmã sua
Ou botão de rosa 
Responde aos suspiros
Que exala, formosa. 
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Não quero deixar-te
Sozinha a florir; 
Tuas irmãs dormem, 
Vai também dormir. 
Por isso eis que espalho 
Tuas folhas no chão, 
Onde as irmãs tuas
Já mortas estão.
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Tão breve eu vá quando
Os que amo fugirem, 
E do anel do amor
As jóias caírem.
Caídos os que ama
No sono profundo,
 Quem habitaria 
Sozinho este mundo? 

BREVE BIOGRAFIA 
Tomas Moore, poeta irlandês, nasceu em Dublim a 28 de maio de 1779.Entrou para o Colégio da Trindade da Universidade de Dublim em 1794, em 1799 publicou em Londres, uma tradução do Anacreonte. De 1803 a 1804 viajou pela América. As suas relações de amizade com Byron começaram em 1811, ano em que Moore casou-se com uma atriz. Morreu em Bromham, perto de Devizes, a 25 de Fevereiro de 1852. Nas suas obras poéticas estão incluídas: lalla Rookh (1817); Odes and Epistles (Odes e Epistolas), e Irish Melodies (Melodias Irlandesas), 1806; e em prosa Life of Sheridan (Vida de Sheridan), 1825; Life of Byron (Vida de Byron), 1830. 
Nicéas Romeo Zanchett 
 .


NÃO ENXUGUES ESSA LÁGRIMA - Por Robert Hamerling


NÃO ENXUGUES ESSA LÁGRIMA 
 Por Robert Hamerling 
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Não enxugues essa lágrima
Em teus olhos a brilhar, 
É qual pura, linda pérola 
Numa rosa a cintilar! 
Foi o amor quem gerou-a,
A santa mágoa do amor; 
Por isso brilha donosa...
Ai! não finde o seu fulgor! 
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Como brilha pura e linda!
Mas quão breve o seu viver!...
Ai! dói n'alma o que é divino
Ver tão prestes fenecer; 
Ver o mais precioso d'alma
Ofuscar-se neste val; 
Estremecer, após sumir-se
Com seu brilho sem igual!
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Como brilha pura e linda
Nos teus olhos cor do céu!
Jamais cessa de atrair-me
O donoso brilhar seu. 
Tu na rosa sempre poupas
linda pérola a cintilar...
Não enxugues essa lágrima
Em teus olhos a brilhar. 
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BREVE BIOGRAFIA 
Robert Hamerling, poeta austríaco, nasceu em Kirchberg a 24 de Março de 1830, e morreu em Gratz a 13 de Julho de 1889. Entre suas obras citam-se os poemas épicos: Ahsver in Ron (Ahasvero em Roma), 1866; Der König von Sion (O Rei de Sião), 1868; etc. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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NÃO ME DEIXES! Por Gonçalves Dias


NÃO ME DEIXES! 
Por Gonçalves Dias
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Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava... 
"Ai, não me deixes, não!"
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"Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares à amplidão: 
Límpido ou turvo, te amarei constante; 
Mas não me deixes, não!"
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E a corrente passava; novas águas
Apos as outras vão; 
E a flor sempre a dizer curva na fonte: 
"Ai, não me deixes, não!"
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E das águas que fogem incessantes 
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde
"Ai, não me deixes, não!"
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Por fim desfalecida e a cor murchada, 
Quase a lamber o chão, 
Buscava ainda a corrente por dizer-lhe
Que não a deixasse, não. 
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A corrente impiedosa a flor enleia, 
Leva-a do seu torrão; 
A afundar-se dizia a pobrezinha: 
" Não me deixaste, não!"

BREVE BIOGRAFIA 
Antonio Gonçalves Dias, poeta brasileiro, nasceu em Caxias, Maranhão a 10 de Agosto de 1823, e faleceu a 3 de Novembro de 1864 no naufrágio do Ville de Boulogne. Escreveu: Primeiros Contos, 1846; Segundos Contos e Sextilhas de Frei Antão, 1848; Os Timbiras, 1848; Últimos Contos, 1850; Leonor de Mendonça (drama); Boabdil (drama), 1865; etc. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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LEIA TAMBÉM >>> GOTAS DE CULTURA UNIVERSAL


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

PRELÚDIO - Por José Zorrilla


PRELÚDIO 
 Por José Zorrilla
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O que é feito das auroras deliciosas
Que cheias de perfume se perdiam
Entre os lírios vestes e as frescas rosas
Que o norte ameno em derredor cingiam? 
As brisas de outono revoltosas 
Em rápido tropel as impeliam, 
E a estação afogaram dos amores
Por entre as folhas das mirradas flores. 
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Hoje ao lume de um tronco nos sentamos
Em torno ao lar antigo que clareia, 
E acaso a larga sombra recordamos 
Da lenha ao nossos pés de fumo cheia, 
E hora após hora tristes esperamos
Que se vá a estação adusta e feia, 
Em febril indolência adormecidos
E nas próprias memórias embebidos. 
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É em vão que aos prazeres avarentos
Nos lançamos; e orgias vãs, sonoras, 
Estremecem os ricos aposentos, 
E fantásticas danças tentadoras; 
Porque antes e depois caminham lentos
Os torvos dias e as morosas horas
Sem que alguma ilusão um breve instante 
O sono da alma fugidia encante. 
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Mas eu, que hei passado entre ilusões,
Sonhos de luz e ouro, a doce vida, 
Não deixarei que durmam nos salões 
Onde ao prazer a solidão convida; 
Nem que esperem do lar ente os clarões
O amigo morto já e a amante infida, 
Sem que mais esperança os alimente
Do que ir contando as horas tristemente. 
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Vós que viveis de alcáçares senhores, 
Vinde, que afagarei vossa moleza; 
Lindas donzelas que morreis de amores, 
Vinde, que encantarei vossa beleza; 
Velhos, que idolatrais vossos maiores, 
Vinde, que contarei vossa grandeza; 
Vinde ouvir em suaves harmonias
Os aprazíeis contos de outros dias. 
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Eu sou o trovador que vaga errante. 
Se são do vosso parque estes canteiros, 
Não me deixes passar, mandai que cante, 
Que sei cantar de bravos cavaleiros
A dama ingrata e a cativa amante, 
O encontro, os combates altaneiros
Com que levam a fim suas empresas
Por formosas escravas e princesas.
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Vinde a mim; esse sou que canta amores
O trovador que canta nos fetins; 
A harpa cinjo de vistosas flores, 
Grinalda que colhi em mil jardins; 
Eu a tulipa tenho de mil cores
Que de Stambul adoram nos confins, 
E o lírio azul incógnito e campestre
Que nasce e morre em solidão silvestre. 
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Vem, vem a minhas mãos, harpa sonora!
Desce a meu ser, inspiração cristã, 
E acende em mim a chama criadora
Que do halito dos anjos é irmã!
Longe de mim a história tentadora
De alheia terra e religião pagã!
A fantasia minha e a memória
Da minha pátria só cantam a glória.
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Vinde, não calcarei em meus cantares
Do povo meu a fé e a consciência, 
Respeitar-lhe-ei a lei e os altares; 
Na magoa sua como na opulência 
Celebrai-lhe-ei a força e os azares, 
E, ministro fiel da gaia ciência, 
Levantarei a voz consoladora
Sobre as ruínas em que a Espanha chora. 
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Terra de amor, tesouro de memorias, 
Grande, opulenta e vencedora um dia, 
Semeada de lembranças e de histórias, 
Calcada assaz pela fortuna impia!
Cantarei tuas olvidadas glórias, 
Que nas asas da ardente poesia
Não aspiro a mais louro, ou mais façanha, 
Do que a um sorriso só da minha Espanha. 
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BREVE BIOGRAFIA 
José Zorrilla, o primeiro poeta espanhol do século XIX, nasceu em Valadolid a 21 de Fevereiro de 1817 e faleceu em Madrid a 22 de Janeiro de 1893. Dedicou-se à literatura, começando pelo jornalismo. Em 1841 apareceram os seus Cantos del Trovador, seguindo-se vários outros livros, escritos durante as suas estadas em Paris e Bruxelas, e outros enquanto esteve no México, de 1855 a 1866, sendo em 1885 eleito sócio da Academia Espanhola. Em 1887 foi-lhe concedida uma pensão do estado. Deixou, além da obra citada, os poemas: Granada, Legenda de Al-Hamar; El álbum de un loco; Margarita la Tornera; La Rosa de Alejandria, etc; e as peças de teatro: D. Juan Tenório, El Zapatero y El Rey, etc.
Nicéas Romeo Zanchett 
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terça-feira, 27 de agosto de 2013

A PÉROLA - de Inácio Raposo





A PÉROLA 
Por Inácio Raposo
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Nasci no mar, num côncavo rosado, 
Serena apareci;
Mas finou-se-me a ideia do passado, 
Da concha em que nasci...
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Sobre o necado colo em que repouso, 
Longe do frio mar, 
Descubro a cada instante um novo gozo
Que me leva a sonhar.
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Prefiro assim, viver no colo dela, 
Todo feito de amor, 
Mar que não tem penhasco, nem pérola, 
Nem ríspido furor!... 
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BREVE BIOGRAFIA 
Encontrei muito pouca coisa sobre o autor desta joia rara. 
Inácio Raposo, foi um excelente poeta brasileiro. Nasceu em Alcântara - Maranhão -, em 16 de junho de 1875. Publicou: "Protofonsos", 1901; Cânticos, 1910. 
Foi um brilhante poeta que não merece ser esquecido. (Se alguém tiver mais informações, por favor, me ajude a melhorar sua biografia). 
Nicéas Romeo Zanchett 
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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

SERENATAS - Catulle Mendes


SERENATAS
Por Catulle Mendes 
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I
A madrugada ria-se em festim, 
Tu me chamaste: "vem", e logo vim. 
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Mais tarde um pouco, "canta" me disseste, 
E eu cantei tua graça, alma terrestre. 
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Mas veio a noite (ó noite em que me vi!)
Tu me mandaste: "parte" e eu não parti.
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II
Mesmo assim arrufada, adoro ainda
O teu semblante, quando se enfurece, 
Pois nesse olhar, que um puro esmalte alinda
Suave a própria cólera parece. 
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O Amor, que as delicadas leis ensina, 
Não raro, inda que sempre doce e liso, 
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No lábio que nos prende e nos fascina, 
Faz suceder os momos ao sorriso. 
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E, prudente, concede aos namorados, 
Para curar as frouxidões morosas, 
Que afetam sempre os peitos bem amados, 
As rixas, esses látegos de rosas. 
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III 
Teu coração é de ouro fino; tudo
É nítido e leal nessa alma pura; 
Mas a esperança que me foi escudo, 
Vai descambando em dúvida e tortura. 
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Ah! minha irmã, eu tenho visto aos centos,
À hora lânguida em que a noite tomba, 
Dispersos meus sonhos pelos ventos, 
Como as penas dispersas de uma pomba. 
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IV
A fria lua que rola
Com languidez de crioula, 
Sonha dolorosamente 
No infinito céu dormente, 
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Enquanto as cristalinas
Fonte, em vagas surdinas, 
Se exala nos tristes ares
O pranto dos nenufares. 
.
V
Canta jovem pastor no bosque a sós, 
E o eco vaidoso diz: "sou eu a voz!"
.
Sob a vidraça que a cortina vela, 
A lâmpada murmura: "eu sou estrela!"
.
Nos lagos, sobre que pende a ramagem, 
"Quem existe sou eu" diz sua imagem. 
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Porém, mais falsa, ó sina que deploro! 
Era a voz protestando-me: "eu te adoro!"
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BREVE BIOGRAFIA 
Catulle Mendes, poeta e romancista francês, oriundo de uma família de judeus portugueses, nasceu em Bordeaux em 1841. Vindo para Paris em 1860, fundou a "Revista Fantasista", onde se estrearam Teófilo Gautier, Teodoro de Banville, Baudelaire, Villiers de Lisle Adam, os dois Daudet, Vacquerie, Houssay, etc., que depois se juntaram na revista "Art" os nomes de Lecontte de Lisle, Sully Prudhomme, Coppée, Verlaine e Mallarmé. Escritor pouco profundo, é, no entanto, habilíssimo e duma rara produtividade e largueza de aptidões. As suas obras principais são: poesias, "Contes Épiques"; "Hesperus"; "Serenades"; "Soirs moroses"; "Soleikl de minuit"; romances, "Zo'har"; "La Femmé enfant"; "La grande Maquet"; obras de teatro, "Meres ennemites", 1882: " La femme de Tabarin" e principalmente "La Vierge d'Avila", em que a protagonista é Santa Teresa; e contos e novelas licenciosas, com "Pour lire au bain"; "JUpe courte"; "Les monstres parisiens", "Les Boudairs de verre", etc.  Com R. Lesclide traduziu ainda as "Confissões" de Cagliostro com o título "La divine aventure, 1881. Morreu de um desastre na linha de Gendaya para Bordeus. 
Nicéas Romeo Zanchett 
                                         Pintura de Renoir : As filhas de Catulle Mendes. 



O SONO - Por Gonçalves Dias


O SONO 
Por Gonçalves Dias 
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Nas horas da noite, se junto a meu leito
Houvesse acaso, meu bem, de chegar, 
Verás de repente que aspecto risonho
Que toma o meu sonho, 
Se o vens bafejar! 
.
O anjo, que ao sono preside tranquilo, 
Ao anjo da terra não ceda o lugar; 
Mas deixe-o amoroso chegar-se ao meu leito, 
Unir-me a seu peito, 
D'amor ofegar. 
.
As notas que exaltam as harpas celestes, 
Os gozos, que os anjos só podem gozar, 
Talvez também frua, se ao meu peito unida
T'encontro, ó querida, 
No meu acordar! 
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Pesquisa e postagem : Nicéas Romeo Zanchett 


domingo, 25 de agosto de 2013

POMBA FERIDA - Por Zalina Rolim


POMBA FERIDA 
Por Zalina Rolim
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Ela veio cair trêmula, exangue, 
Junto a um craveiro aberto em rubras flores. 
Tinha entre as penas úmidas de sangue, 
Das pétalas do cravo as rubras cores. 
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O moribundo olhar enevoado, 
Toda a tremer de inquietação, volvia
Para beirais fronteiros do telhado, 
De onde queixoso pipilar partia...
.
Batendo as asas, arquejante, ansiado, 
Rápido chega, exausto, alucinado, 
- O companheiro que o lamento ouvira; 
.
E a pobre, que a esperá-lo à dor persiste, 
Soergue ao vê-lo a cabecinha triste, 
E, as brancas asas agitando, expira...
.

Zalina Rolim foi uma escritora paulista, autora do "Coração" e outros. 
Nicéas Romeo Zanchett 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

QUADRAS - Por Campoamor - Das Doloras.


QUADRAS 
 Por 
Ramon de Campoamor
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Causas-me tanto pesar, 
Que cheguei a compreender 
Que muito me deve amar
Quem tanto me faz sofrer. 
.
Absorto em ti, neste enleio
Só no teu amor eu cri, 
Mas agora em nada creio
Desde que não creio em ti. 
.
O mesmo amor ela tem
Do que a morte, a quem as ama:
Vem se ninguém a chama, 
Se alguém a chama - não vem. 
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Não te tenho que pagar, 
Nem me ficas a dever; 
Se eu te ensinei a amar, 
Tu ensinaste-me a esquecer. 
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Quando passas a meu lado
Sem me olhares, envergonhada, 
Não te lembras de mim nada, 
Ou lembras-te demasiado? 
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Louca por mim te afiguras, 
Mas escuta os que te advertem
Que não fazes mais loucuras
Que aquelas que te divertem. 
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Outrora, no meu desejo, 
Mesmo sem olhar te via; 
Passou tempo... e hoje em dia, 
Mesmo a olhar-te, não te vejo.
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Pensando que hei de morrer
A tal desventura chego
Que como um morto me entrego
À alegria de viver. 
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Mesmo contente, se vê
Que uma pena em mim se esconde
Que a sinto não sei bem onde
E nasce de não sei que. 
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Dizia eu, de amor louco: 
Sofrer tão pouco por tanto! 
E disse, ao perder o encanto: 
Sofrer tanto por tão pouco!
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Sempre a dor e sempre o bem
São como espinhos e flores. 
Por cada prazer cem dores, 
Por cada dor outras cem. 
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Meu desejo é desejar
Mais que alcançar o que quero, 
E melhor do que o que espero
O que espero é - esperar.
Se entre ser e não ser
Tivesse o homem escolhido, 
Claro está - teria sido
O não poder escolher. 
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Que me perdoe o eterno, 
Mas não sei qual é maior, 
Se aquela dor do inferno,
Se este inferno de dor. 
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         BREVE BIOGRAFIA 
          Ramon de Campoamor y Campo Osório, poeta espanhol, nasceu em Navia em 1824 e morreu em Madrid em 1901. Foi muito novo para a capital, onde começou a publicar no "El Laberinto" várias poesias (1844). Em 1859 publicou o jornal "El Estudo", no qual sustentou brilhantes polêmicas de Castelar. A sua personalidade como político e filósofo é, no entanto, secundária quando comparada com a sua personalidade poética, sendo verdadeiras jóias literárias, algumas das suas obras. Publicou: "Fábulas", "Doloras", "Os poemas de Colombo|" e o "Drama Universal", os "pequenos Poemas, "As Humuradas", as "Lendas" e outras composições. Para o teatro escreveu algumas obras, sendo as mais aplaudidas "O Palácio da Verdade" e "A Guerra". 
Nicéas Romeo Zanchett 
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ILUSÃO - Por Goethe


ILUSÃO 
Por Goethe 
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Move-se além, na janela
Da vizinha, o cortinado. 
À espreita vê, a donzela, 
Se eu estou em casa encerrado, 
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E se a raiva ciumenta, 
Que alimentei todo o dia, 
Inda a minh'alma apoquenta, 
Pois que eu eterna a dizia. 
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Ai de mim! tal pensamento
Não tem a linda menina, 
Da tarde, bem vejo, é o vento
A doidejar com a cortina. 

         LEIA TAMBÉM 
         Conheça a verdadeira história de Goethe em >>GOTAS DE CULTURA UNIVERSAL
          Nicéas Romeo Zanchett 

domingo, 4 de agosto de 2013

MAL SECRETO - Por Raimundo Correa


MAL SECRETO 
Por 
Raimundo Correa 
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Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce, 
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se esplandesse; 
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Se se pudesse, o espírito que chora, 
Ver através da máscara da face, 
Quanta gente, talvez, que inveja agora 
Nos causa, então piedade nos causasse! 
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Quanta gente que ri, talvez consigo
Guarda um atroz recôndito inimigo, 
Como invisível chaga cancerosa! 
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Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura unica consiste
Em parecer aos outros venturosa!
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BREVE BIOGRAFIA 
Raimundo da Mota Azevedo Correa, poeta brasileiro, nasceu á bordo do vapor São Luis, maranhão, a 13 de maio de 1860. Fez seus estudos na Faculdade de São Paulo, bacharelando-se em direito em 1882. Seguiu a carreira de magistratura até ao cargo de Juiz de direito; foi secretário da ligação brasileira em Portugal, professor da faculdade livre de direito de Minas Gerais, vice-reitor do Ginásio Fluminense de Petrópolis, membro da Academia Brasileira de Letras.  Publicou: Primeiros Sonhos, 1879; poesias, algumas das quais já antes publicadas na Revista de Ciência e Letras; Sinfonias, 1883; Versos e Versões, 1887; Aleluias, 1891. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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A TARDE - Por Castro Alves


A TARDE 
 Por Castro Alves
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Era a hora em que a tarde se debruça 
Lá da crista das serras mais remotas...
E da araponga o canto, que soluça, 
Acorda os ecos nos sombrias grotas; 
Quando sobre a lagoa, que se embuça, 
Passa o bando selvagem de gaivotas...
E a onça sobre as lapas salta urrando, 
Da cordilheira os visos abalando. 
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Era a hora em que os cardos rumorejam. 
Como um abrir de bocas inspiradas, 
E os angicos as comas espanejam,
Pelos dedos das auras perfumadas...
A hora em que as gardênias, que se beijam, 
São tímidas, medrosas desposadas; 
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... falam... canta seus amores!
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Hora meiga da tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
- Tu és do céu a pálida donzela, 
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela, 
Que te rola da espádua refulgente...
E - prendendo-te a trança a meia lua
Te enrolas em neblinas semi-nua! 
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Eu amo-te, ó mimosa do infinito! 
Tu me lembras o tempo em que era infante. 
Inda adora-te o peito do precito 
No meio do martírio excruciante; 
E se  não te dá mais da infância o grito, 
Que menino elevava-te arrogante, 
É que agora os martírios foram tantos, 
Que mesmo para o riso só tem prantos!...
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Mas não me esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas, 
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos 
De embaíba nos ramos me apontavas; 
Nem mais tarde, dos lânguidos segredos
Do amor do nenúfar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha! ...
E os braços fogosos da baunilha!... 
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E te amei tanto - cheia de harmonias, 
A murmurar os cantos da serrana, 
A lustrar o broquel das serranias, 
A dourar dos redeiros a cabana... 
E te amei tanto - à flor das águas frias
Da lagoa agitando a verde cana, 
Que sonhava morrer entre os palmares, 
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!...
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mas hoje, da procela aos estridores, 
Sublime, desgrenhada sobre o monte, 
Eu quisera fitar-te entre os condores 
Das nuvens arruivadas do horizonte...
- Para então - do relâmpado aos livores, 
Que descobrem do espaço a larga fronte, 
Contemplando o infinito... na floresta, 
Rolar ao som da funeral orquestra! 
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Pesquisa e postagem : Nicéas Romeo Zanchett 
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BREVE BIOGRAFIA
Antônio de Castro Alves, poeta brasileiro, nasceu na Bahia a 14 de Março de 1847 e faleceu a 6 de Julho de 1871.  Cursou Ciências Sociais e Jurídicas na faculdade de Pernambuco e na de São Paulo, mas faleceu quando frequentava o quarto ano.  Escreveu: Gonzaga e a revolução de Minas, drama, 1870; A Cachoeira de São Paulo, publicada em 1876; Espumas Flutuantes, publicada em 1878; Alem de O Navio Negreiro e Vozes da África. 
Nicéas Romeo Zanchett