MONÓLOGO DE SGANARELLO
Por Moliere
(De o Médico à força)
SGANARELLO, SÓ
Quer vingar-me o cherubim!
Deus lhe dê felicidade!
Com que generosidade
As dores toma por mim!
A indignação que lhe excita
A minha enorme desgraça
O quanto é mister que eu faça
Claramente me suscita.
De semelhantes ataques,
De tão pesadas afrontas
Não pedem severas contas
Só medrosos e basbaques.
Com toda a resolução
Eu vou... vou já!... neste instante
Mostrar àquele tunante
Que não sou nenhum poltrão!
Ele não há de voltar,
Nem um minuto sequer,
A cobiçar a mulher
Do próximo !
( Dá alguns passos e volta. De vagar.)
Tem-me cara o rapazote
De muito desabusado...
Seu Sganarello, cuidado;
Vai com muita sede ao pote!
Teria graça que eu fosse
Expor-me à pancadaria
De criar bicho! - seria
Em cima de queda, coice!
Não considero sensato
O homem metido a valente,
E aprecio enormemente
O cidadão que é pacato.
Com medo de ser batido,
Fujo sempre de bater;
Foi virtude, é, e há de ser
Ter um gênio comedido.
Mas a minha honra exige
Num pronto me desagrave
De um desaforo tão grave,
Que tanto e tanto me aflige!
Ora! faça-me o favor!
Exija quanto entender,
Que lhe hei de sempre fazer
Ouvidos de mercador.
Se eu provocar uma briga,
E um ferro bem afiado
Transpassar de lado a lado
A minha pobre barriga;
Se eu morto cair, em suma,
De sangue todo coberto,
A minha honra por certo
Não lucrará coisa alguma!
Em pavoroso ataúde
Ninguém por gosto se esconde,
Pois é lugarzinho aonde
Não vai quem preza a saúde.
Antes marido enganado
Pela mulher, que defunto!
Que mal isso faz? pergunto;
Fica-se torto ou aleijado?
Oh! maldita a vez primeira
Em que por extravagância
Ligaram tanta importância
A semente frioleira!
A hora do homem mais liso
(Como me preso a ser)
Depende do proceder
De uma mulher sem juízo!
Se todo o crime é pessoal,
Como o direito apregoa,
O crime de outra pessoa
Não me pode deixar mal.
Tenho das ações alheias
A responsabilidade;
Se a minha cara metade
Faz por aí coisas feias, -
Contra o meu nome, que é meu,
O mundo inteiro arremete,
E o asno devo ser eu!
Que abuso! que crueldade!
Deviam já decretar
leis que fizessem cessar
Tão medonha iniquidade!
Aos pobres homens não bastam
Tantos outros acidentes
Incômodos e frequentes
Com que os míseros se agastam?
As moléstias, as demandas,
E o mais que apoquenta um homem,
A paciência lhe consomem,
Fazem-no andar em bolandas,
Sem precisar que se rale,
Se amofine, se consuma,
E morra por amor de uma
Coisa que de nada vale!
Adeus! coração a larga,
Que um homem tudo suporta!
A mim bem pouco me importa
Que o mundo me faça carga!
Quem errou? Minha Mulher:
Ela que chore e se aflija;
Eu, que tonho uma alma rija,
Não me incomodo sequer!
Demais, o caso é comum,
E a lembrança me alivia
De que desta confraria
Eu não sou numero um.
Há muita gente bem posta,
E de gravata lavado,
Que se cala não fala nada
Em vendo mouros na costa...
Bravatas e valentias
Arrotar não é prudente
Por amor de um incidente
Que se dá todos os dias.
Se me não desagravar.
Tolo, sei, me chamarão:
Não tolo, mas toleirão
Serei, se a pele arriscar!
(levando a mão no peito.)
Mas sinto... sinto que a bílis
No meu peito se derrama,
E uma voz cá dentro clama:
"ânimo! Vai! não vaciles!"
Pois não quero vacilar!
Sim, não quero ser poltrão!
Hei daquele ladrão
Vingar-me! E, p'ra começar,
Vou - é caso decidido! -
Vou pô-lo de cara à banda,
Dizendo a todos que ele anda
Com minha mulher metido!
.
Esse monólogo, (Comédia de Moliere) foi traduzido por Arthur Azevedo.
Nele, Moliere fala de Sganarello, se diz traído, se auto aconselha e ao mesmo tempo aconselha aos outros homens que são traídos por suas mulheres. Fala da mulher sem juízo que trai o marido e que não vale a pena brigar por ela.
Nicéas Romeo Zanchett
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