LODO DE ESTRELAS
Por Raimundo Correa
Neste Cáspio sem marulhos,
Sem macaréus, quieta, quieto,
Em vão brota o lodo infecto
Só venenosos tortulhos;
.
E despovoa os casebres
Vizinhos, lançando aos ventos
Os miasmas pestilentos
Do carbúnculo e das febres;
.
Em vão sobre ele bafeja
A peste, e, na superfície,
Boia a nata da imundície
E zumbe a mosca-vareia;
.
Ferve o enxame dos imundos
Vibriões, filhos da lama,
- deliciosíssima cama
Dos farroupos nauseabundos -
.
Pelas margens e por cima
Torpes batráquios, coxeando,
Sobre o charco pula, quando
Acaso alguém se aproxima...
.
Em vão; que Deus nos esquece
As coisas mais vis; portanto,
Sobre esse pútrido manto
batendo, o sol resplandece.
.
Nele os olhos azuis cravam
As estrelas vacilantes,
Que em águas tais repugnantes,
Sem repugnância se lavam;
.
E também nela se banha,
Em horas mortas, a lua,
Como a Willis toda nua
das legendas da Alemanha.
.
Nem sempre ela espelha a peste,
Que às vezes nele os fulgores
Dos iris e as sete cores
Se estampam do arco celeste.
.
Deus veste a flama sidérea
Na escura e tábida vasa,
E a entranhas infecunda abrasa
Da podridão deletéria!
.
Dá-me a luz, sem convertê-la
Na luz; pois jamais de todo
Deixa o lodo de ser lodo,
E a estrela de ser estrela!
.
Mas basta a luz nele acesa,
Pra que o barro vil reflita
Daquela flama infinita
Toda a infinita grandeza.
.
BREVE BIOGRAFIA de Raimundo Correa
Raimundo da Mota Azevedo Correa, poeta brasileiro, nasceu a bordo do vapor S. Luiz, na baia de Mogúncia (Maranhão), a 13 de maio de 1860. Fez seus estudos na faculdade de São Paulo, bacharelando-se em direito em 1822. Seguiu a carreira da magistratura até ao cargo de Juiz de direito; foi secretário da legação brasileira em Portugal, professor da faculdade livre de direito de Minas Gerais, vice-reitor do Ginásio Fluminense de Petrópolis, membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou: Primeiros Sonhos, 1879, poesias, algumas das quais já publicadas na revista de Ciências e Letras, 1883; Versos e Versões, 1887; Aleluias, 1891.
Nicéas Romeo Zanchett
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