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quarta-feira, 17 de julho de 2013

O VAGA-LUME - Por Fagundes Varela



O VAGA-LUME 
Por Fagundes Varela
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Quem és tu pobre vivente, 
Que passas triste sozinho, 
Trazendo os raios da estrela
E as asas do passarinho?
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A noite é negra, raivosos 
Os ventos sopram do sul;  
Não temes, doido, que apaguem 
A tua lanterna azul? 
.
Quando apareces, o lago 
De estranha luzes fulgura; 
Os mochos voam medrosos,
Buscando a floresta escura. 
.
As folhas brilham, refletem, 
Como espelhos de esmeralda; 
Fulge o iris nas torrentes
Da serrania na fralda. 
.
O grilo salta das sarças, 
Pulam gênios nos palmares, 
Começa o baile dos silfos
No seio dos nenuphares.
A tribo das borboletas, 
Das borboletas azuis, 
Segue teus giros no espaço, 
Mimosa gota de luz. 
.
São elas flores sem haste, 
Tu és estrela sem céu; 
Procuram elas as chamas, 
Tua amas da noite o véu.
.
Onde vais, pobre vivente, 
Onde vais triste, mesquinho. 
Levando os raios da estrela 
Nas asas do passarinho?
.

           Os vaga-lumes  são insetos que possuem a faculdade de brilhar, e que às vezes enchem a noite de moveis pontos  luminosos.
            Nesta obra, Fagundes Varela diz, expressamente, que eles trazem "os raios da estrela e as asas  do passarinho", e descreve poeticamente o efeito que produzem volitando no campo. 
Nicéas Romeo Zanchett  
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O CAÇADOR E A DONZELA ENCANTADA - Nicéas Romeo Zanchett


O CAÇADOR E A DONZELA ENCANTADA 
 De um Romance Popular  
Por Nicéas Romeo Zanchett 
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O caçador vai à caça
À caça de montaria; 
Os cães já leva cansados, 
O falcão perdido havia. 
Andando se lhe fez a noite; 
Por uma mata sombria, 
Arrimou-se a uma azinheira, 
A mais alta que ali via. 
Foi ao levantar os olhos, 
Viu coisa maravilhosa; 
No mais alto da ramada, 
Uma donzela tão linda! 
Dos cabelos da cabeça
A mesma árvore vestia, 
Da luz dos olhos tão viva
Todo o bosque se alumia. 

Ali falou a donzela, 
Já vereis o que dizia; 
- Não te assustes, cavaleiro,
Não tenhas tanta agonia; 
Sou filha de um rei coroado, 
De uma bendita rainha. 
Sete fadas me fadaram, 
Nos braços de mi'madrinha, 
Que estivesse aqui sete anos, 
Sete anos e mais um dia; 
Hoje se acabam os anos, 
Amanhã se conta o dia. 
Leva-me, por Deus te peço, 
Leva-me em tua companhia. 
.
- Espera-me aqui, donzela, 
Té amanhã, que é o dia; 
Que eu vou-me a tomar conselho, 
Conselho com minha tia. 
.
Responde agora donzela, 
Que bem que lhe respondia! 
- Oh, mal haja o cavaleiro,
Que não teve cortesia; 
Deixa a menina no monte. 
Sem lhe fazer companhia! 
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Ela ficou no seu ramo, 
Ele foi-se a ter co'a tia...
Já voltava o cavaleiro, 
Apenas que rompe o dia; 
Corre por toda essa mata, 
A enzinha não descobria. 
Vai correndo e vai chamando, 
Donzela não respondia; 
Deitou os olhos ao longe, 
Viu tanta cavalaria, 
De senhores e fidalgos
Muito grande tropelia.
Levavam a linda infanta, 
Que era já contado o dia.  
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O triste cavaleiro
Por morto no chão caia; 
Mas já tornava aos sentidos
E a mão à espada metia; 
- Oh, quem perdeu oque eu perco
Grande pena merecia! 
Justiça faço em mim mesmo
E aqui me acabo co'a vida. 
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            Trata-se de um Romance Popular antigo. 
            Nicéas Romeo Zanchett 
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CÍRCULO VICIOSO - Por machado de Assis


CÍRCULO VICIOSO
 Por Machado de Assis 
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume; 
Quem me dera que fosse aquela loura estrela 
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!
Mas a estrela, fitando a lua, com ciume;
Pudesse eu copiar-te o transparente lume 
Que da grega coluna à gótica janela, 
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas a lua, fitando o sol, com azedume; 
Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela 
Claridade imortal que toda a luz resume!
Mas o sol, inclinando a rutila capela; 
Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque nasci eu um simples vaga-lume? 
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Pesquisa e Postagem: Nicéas Romeo Zanchett 

A ÚLTIMA ROSA DE VERÃO - Thomaz Moore


A ÚLTIMA ROSA DE VERÃO 
Por Thomaz Moore 
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É a última rosa 
do verão, sozinha; 
Nenhuma outra resta
Formosa e vizinha, 
Nenhuma irmã sua 
Ou botão de rosa
Responde aos suspiros
Que exala, formosa 
.

Não quero deixar-te
Sozinha a florir: 
Tuas irmãs dormem, 
Vai também dormir. 
Por isso eis que espalho
 Tuas folhas no chão, 
Onde as irmãs tuas
Já mortas estão.
.
Tão breve eu vá quando 
Os que amo fugirem,
E o anel do amor
As jóias caírem.
Caídos os que ama
No sono profundo,
Quem habitaria
Sozinho este mundo? 

                BREVE BIOGRAFIA de Thomaz Moore 
                Thomaz Moore nasceu em Dublin, Irlanda, à  28 de Maio de 1779. Foi poeta, cantor, compositor e artista de vários interesses. Desde jovem mostrou muito gosto pela música e as belas artes em geral. Em 1795 foi estudar no Trinity College, seguindo a vontade de sua mãe que o queria formado em direito. Seu tempo de estudante em Trinity ocorreu em meio às turbulências contínuas após a Revolução Francesa. Em 1799 viajou para Londres, onde foi estudar direito no Middle Temple. Tinha muitas dificuldades financeiras até para pagar as mensalidades do colégio. 
                 Foi como poeta, tradutor, composição de baladas e cantor que ele encontrou a fama. 
                 Em 1803, foi nomeado secretário do Almirantado em Bermuda. Mas não gostou do trabalho e lá ficou apenas três meses. Por ter exercido essa função, muitos o tratavam como um oficial poeta laureado de Bermuda. 
                  Faleceu em 25 de fevereiro de 1852. 
Nicéas Romeo Zanchett 
                LEIA TAMBÉM >>> GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O ORVALHO - Por Gentil Homem de Almeida Braga

Gentil Homem de Almeida Braga 
O ORVALHO
Nas flores mimosas, nas folhas virentes
Da planta, do arbusto, que surge do chão, 
Reúnem-se as gotas do orvalho nitentes, 
Tombadas à noite da aérea solidão. 
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Provindas dos ares, dos astros caídas 
Em globos argentos de um puro brilhar, 
Descansam nas flores, às folhas dão vida, 
Remontam-se aos astros, erguendo-se ao ar. 
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A luz das estrelas, do vidro mais fino
O trêmulo, incerto, brilhante luzir, 
Não tem maior beleza, fulgor mais divino, 
Nem pode mais claro, mais belo fulgir. 
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E o sol, que rutila no manto dourado, 
Feitura sublime das nuvens do céu, 
Beijando estas gotas com um beijo inflamado, 
Desfaz tais prodígios nos beijos que deu.
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Quem foi que as vertera, quem foi que as chorara, 
Quem, límpido orvalho, do céu vos lançou? 
Quem pôs sobre a terra beleza tão rara? 
Quem foi que nos ares o orvalho formou? 
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Dos anjos, que outrora baixaram da esfera, 
Morada longínqua dos anjos de Deus, 
São prantos o orvalho, que amor os vertera, 
Depois que perdidos volveram-se aos céus.
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Baixados à terra, sedentos de amores, 
Gozaram delícias de um breve durar. 
Depois em lembrança dos tempos melhores
Os anjos à noite costumam chorar. 
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E o pranto saudoso dos olhos vertido
Converte-se em chuva de fino cristal;
Procura das flores o cálix querido, 
Recai sobre as plantas do monte ou do val.
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E os anjos sozinhos vagueiam no espaço, 
Buscando as imagens, que o céu lhes roubou, 
Seguidos das nuvens, do lúcido traço, 
Que o brilho das asas trás eles deixou. 
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E a voz que dos lábios lhes sai suspirante
Semelha um queixume pungente de dor. 
E o ar, que circula girando incessante, 
Repete os suspiros só filhos do amor. 
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Em vão tai suspiros, tão tristes endeixas, 
Pesares tão fundos são todos em vão. 
Ninguém os escuta; carpidos ou queixas
Vai tudo sumido na etérea solidão. 
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E os anjos, que outrora viveram de amores, 
Gozaram delícias de extremos sem par, 
Saudosos relembram seus tempos melhores 
E tem por consolo seu triste chorar. 
.
E o pranto saudoso dos olhos vertido 
Converte-se em chuva de fino cristal; 
Procura das flores o cálix querido, 
Recai sobre as plantas do monte ou do val. 
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                 BREVE BIOGRAFIA 
                  Gentil Homem de Almeida Braga, poeta e jornalista brasileiro, nasceu em São Luiz do Maranhão a 25 de Março de 1835 e faleceu a 25 de Julho de 1876. Formou-se em direito na Faculdade de Recife. Foi advogado, lente de retórica e filosofia e deputado provincial de geral. As suas poesias acham-se coligidas nas "Três Liras", 1872; e no "Parnaso Maranhense". 
Nicéas Romeo Zanchett 
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NINGUÉM - Por Mário de Andrade - Lira Paulistana


NINGUÉM 
Por Mário de Andrade - Lira Paulistana 
O bonde abre a viagem, 
No banco ninguém, 
Estou só, stou sem. 
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Depois sobe um homem, 
No banco sentou, 
Companheiro vou. 
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O bonde está cheio, 
De novo porém
Não sou mais ninguém. 
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LEIA TAMBÉM 
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Pesquisa e Postagem
Nicéas Romeo Zanchett 


terça-feira, 2 de julho de 2013

CANÇÃO DO TAMOIO - Por Gonçalves Dias



CANÇÃO DO TAMOIO 
Por Gonçalves Dias 
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Não chores, meu filho;
 Não chores, que a vida
É luta renhida; 
Viver é lutar. 
A vida é combate
Que os fracos abate, 
Que os fortes, os bravos, 
Só pode exaltar. 
.
Um dia vivemos! 
O homem que é forte 
Não teme da morte; 
Só teme fugir; 
No arco que entesa
Tem certa uma presa 
Quer seja Tapuia, 
Condor ou Tapir.
.
O forte, o covarde 
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz; 
E os tímidos velhos
Nos graves conselhos, 
Curvadas as frontes, 
Escutam-lhe a voz!
.
Domina, se vive; 
Se morre, descansa, 
Dos seus na lembrança, 
Na voz do porvir. 
Não cures da vida! 
Sê bravo, sê forte! 
Não fujas da morte, 
Que a morte há de vir! 
E pois que és meu filho. 
Meus brios reveste: 
Tamoio Nasceste, 
valente serás. 
Sê duro guerreiro, 
Robusto, fragueiro, 
Brasão dos Tamoios 
Na guerra e na paz. 
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Teu grito de guerra 
Retumba aos ouvidos
D'inimigos transidos 
Por vil comoção; 
E tremam d'ouví-lo 
Pior que o sibilo 
Das setas ligeiras, 
Pior que o trovão. 
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E a mãe nessas tabas
Querendo calados 
Os filhos criados
Na lei do terror; 
Teu nome lhes diga
Que a gente inimiga 
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor! 
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Porém se a fortuna
Traindo teus passos, 
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz, 
Na última hora
Teus feitos memora
Tranquilo nos gestos,
Impávido, audaz. 
.
E cai como o tronco
Do raio tocado, 
Partido, rojado
Por larga extensão; 
Assim morre o forte! 
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
.
As armas ensaia,
Penetra na vida; 
Pesada ou querida, 
Viver é lutar. 
Se o duro combate 
Os fracos abate, 
Aos fortes, aos bravos
Só pode exaltar. 
.

               É bastante difícil dizer qual a obra prima de Gonçalves Dias; Mas, para mim esta é a obra maior do nosso grande poeta. Ele descreve de maneira magistral um guerreiro Tamoio. Através das palavras de seu orgulhoso pai, exprime os sentimentos heroicos de um guerreiro da tribo.
                Os Tamoios eram uma tribo de indígenas que lutaram tenazmente contra a dominação portuguesa no Brasil. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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segunda-feira, 1 de julho de 2013

LODO DE ESTRELAS - Por Raimundo Correa


LODO DE ESTRELAS 
Por Raimundo Correa

Neste Cáspio sem marulhos, 
Sem macaréus, quieta, quieto,
Em vão brota o lodo infecto 
Só venenosos tortulhos; 
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E despovoa os casebres
Vizinhos, lançando aos ventos
Os miasmas pestilentos
Do carbúnculo e das febres; 
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Em vão sobre ele bafeja
A peste, e, na superfície, 
Boia a nata da imundície
E zumbe a mosca-vareia; 
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Ferve o enxame dos imundos
Vibriões, filhos da lama, 
- deliciosíssima cama
Dos farroupos nauseabundos -
.
Pelas margens e por cima
Torpes batráquios, coxeando, 
Sobre o charco pula, quando
Acaso alguém se aproxima...
Em vão; que Deus nos esquece
As coisas mais vis; portanto,
Sobre esse pútrido manto
batendo, o sol resplandece. 
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Nele os olhos azuis cravam 
As estrelas vacilantes, 
Que em águas tais repugnantes, 
Sem repugnância se lavam; 
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E também nela se banha, 
Em horas mortas, a lua, 
Como a Willis toda nua 
das legendas da Alemanha. 
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Nem sempre ela espelha a peste, 
Que às vezes nele os fulgores 
Dos iris e as sete cores
Se estampam do arco celeste. 
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Deus veste a flama sidérea
Na escura e tábida vasa,
E a entranhas infecunda abrasa
Da podridão deletéria! 
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Dá-me a luz, sem convertê-la
Na luz; pois jamais de todo
Deixa o lodo de ser lodo, 
E a estrela de ser estrela!
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Mas basta a luz nele acesa, 
Pra que o barro vil reflita
Daquela flama infinita 
Toda a infinita grandeza. 
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                     BREVE BIOGRAFIA de Raimundo Correa 
                     Raimundo da Mota Azevedo Correa, poeta brasileiro, nasceu a bordo do vapor S. Luiz, na baia de Mogúncia (Maranhão), a 13 de maio de 1860. Fez seus estudos na faculdade de São Paulo, bacharelando-se em direito em 1822. Seguiu a carreira da magistratura até ao cargo de Juiz de direito; foi secretário da legação brasileira em Portugal, professor da faculdade livre de direito de Minas Gerais, vice-reitor do Ginásio Fluminense de Petrópolis, membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou: Primeiros Sonhos, 1879, poesias, algumas das quais já publicadas na revista de Ciências e Letras, 1883; Versos e Versões, 1887; Aleluias, 1891. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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MONÓLOGO DE SGANARELLO - Por Moliere


MONÓLOGO DE SGANARELLO 
Por Moliere
(De o Médico à força) 
SGANARELLO, SÓ 
Quer vingar-me o cherubim! 
Deus lhe dê felicidade!
Com que generosidade 
As dores toma por mim! 
A indignação que lhe excita
A minha enorme desgraça
O quanto é mister que eu faça
Claramente me suscita. 
De semelhantes ataques, 
De tão pesadas afrontas
Não pedem severas contas 
Só medrosos e basbaques. 
Com toda a resolução 
Eu vou... vou já!... neste instante
Mostrar àquele tunante 
Que não sou nenhum poltrão! 
Ele não há de voltar, 
Nem um minuto sequer,  
A cobiçar a mulher
 Do próximo !
( Dá alguns passos e volta. De vagar.)
Tem-me cara o rapazote
De muito desabusado...
Seu Sganarello, cuidado;
Vai com muita sede ao pote!
Teria graça que eu fosse
Expor-me à pancadaria 
De criar bicho! - seria
Em cima de queda, coice!
Não considero sensato
O homem metido a valente, 
E aprecio enormemente
O cidadão que é pacato. 
Com medo de ser batido, 
Fujo sempre de bater; 
Foi virtude, é, e há de ser
Ter um gênio comedido. 
Mas a minha honra exige
Num pronto me desagrave
 De um desaforo tão grave, 
Que tanto e tanto me aflige! 
Ora! faça-me o favor!
Exija quanto entender, 
Que lhe hei de sempre fazer
 Ouvidos de mercador. 
Se eu provocar uma briga, 
E um ferro bem afiado
Transpassar de lado a lado
A minha pobre barriga; 
Se eu morto cair, em suma, 
De sangue todo coberto, 
A minha honra por certo 
Não lucrará coisa alguma! 
Em pavoroso ataúde 
Ninguém por gosto se esconde, 
Pois é lugarzinho aonde
Não vai quem preza a saúde.
Antes marido enganado
Pela mulher, que defunto! 
Que mal isso faz? pergunto; 
Fica-se torto ou aleijado? 
Oh! maldita a vez primeira 
Em que por extravagância
Ligaram tanta importância 
A semente frioleira! 
A hora do homem mais liso
(Como me preso a ser) 
Depende do proceder
De uma mulher sem juízo! 
Se todo o crime é pessoal, 
Como o direito apregoa,
O crime de outra pessoa
Não me pode deixar mal. 
Tenho das ações alheias
A responsabilidade; 
Se a minha cara metade 
Faz por aí coisas feias, - 
Contra o meu nome, que é meu, 
O mundo inteiro arremete, 
E o asno devo ser eu!
Que abuso! que crueldade! 
Deviam já decretar
leis que fizessem cessar 
Tão medonha iniquidade! 
Aos pobres homens não bastam 
Tantos outros acidentes
Incômodos e frequentes
Com que os míseros se agastam? 
As moléstias, as demandas, 
E o mais que apoquenta um homem, 
A paciência lhe consomem, 
Fazem-no  andar em bolandas, 
Sem precisar que se rale, 
Se amofine, se consuma, 
E morra por amor de uma 
Coisa que de nada vale! 
Adeus! coração a larga, 
Que um homem tudo suporta! 
A mim bem pouco me importa 
Que o mundo me faça carga!
Quem errou? Minha Mulher: 
Ela que chore e se aflija; 
Eu, que tonho uma alma rija, 
Não me incomodo sequer!
Demais, o caso é comum, 
E a lembrança me alivia 
De que desta confraria
Eu não sou numero um. 
Há muita gente bem posta, 
E de gravata lavado, 
Que se cala não fala nada
Em vendo mouros na costa...
Bravatas e valentias
Arrotar não é prudente 
Por amor de um incidente 
Que se dá todos os dias. 
Se me não desagravar. 
Tolo, sei, me chamarão: 
Não tolo, mas toleirão
Serei, se a pele arriscar!
(levando a mão no peito.)
Mas sinto... sinto que a bílis
No meu peito se derrama, 
E uma voz cá dentro clama: 
"ânimo! Vai! não vaciles!" 
Pois não quero vacilar! 
Sim, não quero ser poltrão!
Hei daquele ladrão 
Vingar-me! E, p'ra começar, 
Vou - é caso decidido! - 
Vou pô-lo de cara à banda, 
Dizendo a todos que ele anda
Com minha mulher metido!
.

Esse monólogo, (Comédia de Moliere) foi traduzido por Arthur Azevedo. 
Nele, Moliere fala de Sganarello, se diz traído, se auto aconselha e ao mesmo tempo aconselha aos outros homens que são traídos por suas mulheres. Fala da mulher sem juízo que trai o marido e que não vale a pena brigar por ela. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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