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Movendo os pés cor de brasa
Foram as três com cautela,
Subindo o muro da asa
De dona Estela.
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- Arriba! diz a primeira.
- Mais de vagar... diz com siso
Segunda. Diz a terceira:
Sei onde piso.
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Noite fechada, propícia
Àideia, ao plano que se leva..
Nem de uma brisa a carícia!
Silêncio e treva!
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De pronto um grilo de um canto:
_ Onde ides, minha amigas?
E um calafrio de espanto
Nas três formigas.
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Ah!... Mas um rosto aparece
Em cima, numa janela...
- É ela? - O rosto parece
De dona Estela!
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Tri... tri... entre as asas geme
O grilo. E pernalta aranha
Na trama de ouro em que treme
Quase o apanha.
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E agora se atemorizam
As três. E tudo embaraços!
E o cal somente que pisam
Lhes ouve os passos.
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E uma após outra se encaram
Tremendo: ora hesitam, ora
Conversam baixinho, param
Por mais de uma hora.
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Logo como se fracassa
O muro a um trovão que as gela...
Descera brusca a vidraça
Da dona Elisa.
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- Melhor é voltarmos, logo
Uma aconselha em segredo;
Outra abre os olhos de fogo,
E é toda medo.
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Terceira chora, encolhida:
- Tão alto! já estou cansada!
Meu Deus, nossa pobre vida
Não vale nada.
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Mas sobem, que é necessário
Subir. Jesus, o benquisto,
Subiu também seu calvário,
E Elle era o Cristo.
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Janela, enfim! num alento
Exclama a que mais anseia
Primeiro ser no aposento
De dona Estela.
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-Por esta fresta... - Por esta...
- Melhor... - Entremos. - Avante!
E uma olha, analisa a fresta,
E rompe adiante.
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Seguem-na as duas. Estreito
É o trilho. Vão. Tal num berro
Vai por um tunel direto
Um trem de ferro.
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Ei-las estão da outra banda,
Na alcova. E olham em roda,
À luz da lâmpada, branda,
A alcova toda.
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E vêm, por entre os adornos
De um leito elegante, a bela
Fronte o perfil, os contorno
De dona Estela.
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Azul celeste a parede
Sobre o papel que a reveste...
E é toda a câmara, vêde:
Azul celeste!
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Tenda de neve - a cortina;
Dois bustos, um ramalhete
Além, descansa botina
Sobre o tapete.
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Num quadro de luzidio
Ebano, um vulto guerreiro:
Perfil severo e sombrio
De cavalheiro
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De Espanha; olhar atrevido,
Espada a cinta, e a escarcela...
- É com certeza o marido
De dona Estela.
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E o espelho... como cintila!
Parece de um lago a nua
Face que leve se anila
Com a luz da lua.
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No toucador como esparsa
Há tanta coisa! um diadena,
Alva penugem de garça...
Todo um poema!
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E um vaso com a ais festiva
Das rosas! - Meus Deus, acaso
Há rosa também que viva
Dentro de um vaso?!
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E à flor o assalto preparam
As três formigas... Ai! dela,
A flor que os lábios beijaram
De dona Estela!
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Descem o muro. Profundo
Silêncio. Tudo parece
A miniatura de um mundo
Que se amortece.
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Soem aos moveis. No teto
Nem sombra de asa perdida
Do mais pequenino inseto...
Tudo sem vida!
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Chegam à rosa. Que altivo
Seio encarnado! Que encanto
Nesse encarnado lascivo
Que tem no manto!
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E se adianta animosa,
Mais esta após. mais aquela...
Ai! rosa, querida rosa
De dona Estela!
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Correm-lhe as pétalas. Uma
Desce-lhe ao pólen que toma;
Da boca aos pés se perfuma
Com seu aroma.
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Enchem-se de ouro, que é de ouro
Su'álma. Sedas desatam
Que prendam. Vida, tesouro,
Tudo arrebatam.
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E da assombrosa riqueza
Vendo-se ao fim carregadas
E mais do que da árdua empresa
Recompensadas,
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Lá vão a fugir, com o geito
Do que em roubar se desvela...
Mas nisto estremece o leito
De dona Estela.
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É dia. A a dona da alcova
já está de pé: e, ansiosa,
Porque mau sonho renova,
Vai ver a rosa.
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Toma-a do vaso às mãozinhas;
Mas , ao beija-la, a senhora
Descobre as três formiguinhas,
E. Sopra-as fora.
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-Ah! que tufão repentino!
As três, no ar, na ansiedade
Da queda, exclamam sem tino...
- Que tempestade!
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Longe, bem longe, erradias,
Caíram. Nem se mexeram
De espanto quase dois dias...
Depois morreram.
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Eis das forigas o caso.
A rosa...fale por ela
Outra que é nova no vaso
De dona Estela.
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Nicéas Romeo Zanchett