TABAS INDÍGENAS
De: O Caramuru
No Recôncavo ameno um posto havia
De troncos imortais cercado à roda,
Trincheira natural, com que impedia
A quem quer penetrá-lo a entrada toda;
Um plano vasto no seu centro abria,
Aonde, edificando à pátria moda,
De troncos, varas, ramos, vimes, canas,
Formam, como em quadro, oito cabanas.
.
Qualquer delas com mole volumosa
Corre direita em linhas paralelas;
E mais comprida aos lados, que espaçosa,
Não tem paredes, ou colunas belas:
Um ângulo no cume e faz vistosa,
E coberta de palmas amarelas
Sobre árvores se estriba altas, e boas,
De seiscentas capaz, ou mil pessoas.
.
Qual o velho Noé na imensa barca,
Que a bárbara cabana em tudo imita,
Ferozes animais provido embarca,
Onde a turba brutal tranquila habita;
Tal o rude tapuia na grande arca,
Ali dorme, ali come, ali medita,
Ali se faz humano, e de amor mole,
Alimenta a mulher, e afaga a prole.
.
Dentro da grã choupana à cada passo
Pende de lenho a lenho a rede extensa,
Ali descanso toma o corpo lasso,
Ali se esconde a marital licença;
Repousa a filha no materno abraço
Em rede especial, que tem suspensa;
Nenhum se vê (que é raro) em tal vivenda
Que mulher de outrem, nem que a filha ofenda.
.
Ali, chegando a esposa fecunda
À termo feliz, nunca se omite
De por na rede o pai a prole amada,
Onde o amigo, e parente o felicite;
E como se a mulher sofrera nada,
Tudo ao pai reclinada então se admite,
Qual fora, tem sido em modo sério
Seu próprio, e não das mães o puerpério.
.
Quando na rede encosta o tenro infante,
Pinta-o de negro todo, e de vermelho,
Um pequeno arco põe, frecha volante,
E um bom cutelo ao lado; e um tom de velho,
Com discurso patético e zelante
Vai-lhe inspirando o paternal conselho:
Que seja forte diz,(como se o ouvisse)
Que se saiba vingar, que não fugisse.
.
Dá-lhe depois o nome, que apropria
Por semelhança, que ao infante iguala,
Ou com que o espera celebre algum dia,
Se não é por defeito que o assinala;
A algum na fronte o nome se imprima;
ou pintam no verniz, que tem por gala,
E segundo a figura se lhe observa,
Dão-lhe o nome de fera, fruto, ou erva.
.
Trabalha em tanto a mãe sem nova cura,
Quando o parto conclui, e em tempo breve,
Sem mais arte que a provida natura,
Sente-se lesta, e sã, robusta, e leve;
Feliz gente, se unisse com fé pura
A sóbria educação, que simples teve!
Que o que a nós nos faz fracos, sempre estimo,
Que é mais, que pena e dor, melindre e mimo.
.
Vai com o adulto filho à caça, ou pesca
O solícito pai pelo alimento;
O peixe à mulher traz, e a carne fresca,
E à tenra prole a fruta por sustento;
A nova provisão sempre refresca,
E dá nesta fadiga um documento
que quem nega o sustento a quem deu vida,
Que ser pai, por fazer-se um parricida.
.
Que, acontece que a enfermar-se venha,
Concorre com piedade a turba amiga;
E por dar-lhe um remédio, que convenha,
Consultam-no entre si com gente antiga;
Buscam quem de erva saiba, ou cura tenha,
Que possa dar alívio ao que periga;
Ou talvez sangram numa febre ardente,
Servindo de lanceta um fino dente.
.
Mas vendo-se o mortal já na agonia,
Sem ter para o remédio outra esperança,
Estima a bruta ação mui pia
Tirar-lhe a vida com maça ou lança;
Se morre o tenro filho, a mãe seria
Estimada cruel, quando a criança,
Que pouco antes ao mundo dela veio,
Não torna ao seu lugar no próprio seio.
.
Tal era o povo rude, e tal usança
Se lhe vê praticar no vício iluso;
Tudo nota Diogo, na esperança
De corrigir por fim tão cego abuso.
No lugar da cabana, em que descansa
Menos da gente, e multidão confuso,
Põe-lhe a rede Gupéva, que o convida,
De rica e mole pluma entretecida. .
.
Trabalha em tanto a mãe sem nova cura,
Quando o parto conclui, e em tempo breve,
Sem mais arte que a provida natura,
Sente-se lesta, e sã, robusta, e leve;
Feliz gente, se unisse com fé pura
A sóbria educação, que simples teve!
Que o que a nós nos faz fracos, sempre estimo,
Que é mais, que pena e dor, melindre e mimo.
.
Vai com o adulto filho à caça, ou pesca
O solícito pai pelo alimento;
O peixe à mulher traz, e a carne fresca,
E à tenra prole a fruta por sustento;
A nova provisão sempre refresca,
E dá nesta fadiga um documento
que quem nega o sustento a quem deu vida,
Que ser pai, por fazer-se um parricida.
.
Que, acontece que a enfermar-se venha,
Concorre com piedade a turba amiga;
E por dar-lhe um remédio, que convenha,
Consultam-no entre si com gente antiga;
Buscam quem de erva saiba, ou cura tenha,
Que possa dar alívio ao que periga;
Ou talvez sangram numa febre ardente,
Servindo de lanceta um fino dente.
.
Mas vendo-se o mortal já na agonia,
Sem ter para o remédio outra esperança,
Estima a bruta ação mui pia
Tirar-lhe a vida com maça ou lança;
Se morre o tenro filho, a mãe seria
Estimada cruel, quando a criança,
Que pouco antes ao mundo dela veio,
Não torna ao seu lugar no próprio seio.
.
Tal era o povo rude, e tal usança
Se lhe vê praticar no vício iluso;
Tudo nota Diogo, na esperança
De corrigir por fim tão cego abuso.
No lugar da cabana, em que descansa
Menos da gente, e multidão confuso,
Põe-lhe a rede Gupéva, que o convida,
De rica e mole pluma entretecida. .
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BREVE BIOGRAFIA
Frei José de Santa Rita Durão, foi um poeta brasileiro; nasceu em Cata-Preta, Minas Gerais, em 1720, e faleceu em 1784. Era orador em teologia pela Universidade de Coimbra onde foi lente opositor dessa cadeira. Escreveu "O Caramuru, 1781", poema épico em que descreve a história meio fabulosa da colonização da Bahia por Diogo Alvares, ou Caramuru, como lhe chamavam os índios.
Nicéas Romeo Zanchett
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